O VALOR DE UMA AMIZADE
Quem está acostumado a fotografar a natureza, principalmente a vida selvagem, sabe que certas espécies não são fáceis de encontrar. Algumas parecem fugir de nós, sempre levando vantagem num jogo de "gato e rato", como os personagens dos antigos desenhos animados. No entanto, mesmo entre as difíceis, existem algumas com as quais temos uma história de sorte.

A minha espécie da sorte é o urubu-rei (Sarcoramphus papa), esse gigante das aves de rapina está sempre no meu caminho e já me proporcionou registros incríveis e momentos arrepiantes, como este em companhia do amigo João Souza. Outro momento especial aconteceu em um chuvoso dezembro na Serra da Canastra. Acompanhado da esposa Camila e do amigo José Maria, cortávamos as montanhas no zigue-zague das estradinhas lamacentas no entorno do Parque Nacional.

Em certo momento, ao longe avistamos uns pontinhos brancos que se destacavam da massa verde das florestas de encosta que predominam na paisagem da parte baixa da Canastra. Eram dois urubus-rei, pousados no topo dos galhos retorcidos do que restou de uma antiga árvore morta.

Estavam muito longe, o terreno era íngreme, a chuva ameaçava despencar e por um tempo cogitamos se valeria a pena caminhar até lá, ainda mais carregando o pesado equipamento fotográfico. Por sorte resolvemos arriscar. Com cuidado nos esgueiramos ladeira abaixo até alcançar o limite seguro ante a beira do penhasco. Dali não se podia passar. Ajustamos o equipamento e nos pusemos a fotografar, mesmo à longa distância, até que o Zé propôs que subíssemos uma colina próxima, de lá poderíamos nos aproximar e teríamos melhor ângulo.



Desse ponto podíamos ver os urubus destacados na paisagem verde das copas das árvores. Foto: Camila Machado.
-Para mim não dá, Zé - ponderei. A montanha é alta e o equipamento muito pesado...

O Zé Maria é cabra bão. Um autêntico mineiro nascido e criado nas entranhas das montanhas da Canastra. Conhecedor dos bichos ariscos e dos intrincados caminhos do cerrado, nos cativa pelo jeito simples e simpatia com que trata a todos.

-Eu te ajudo com o equipamento - sugeriu.

-Não precisa, Zé. E nem vale a pena, ao final estaremos os dois cansados e provavelmente com nenhuma foto. Faz assim: Você vai até lá e procura se aproximar, eu acompanho daqui e se acaso o bicho voar eu tento fazer um registro dele em voo.

E assim vi o Zé Maria desaparecer em meio ao cerrado espesso que cobria o pé da montanha... Quando depois de um bom tempo ele surgiu novamente, lá no topo da colina, estava pertinho dos urubus. Estes, assustados com a inusitada presença lançaram-se pesadamente precipício abaixo. Um deles, talvez devido ao enorme peso e às penas molhadas de chuva, não conseguiu controlar o voo e principiou dar meia volta.

Algumas fotografias de natureza, especialmente as que envolvem aves em movimento são de extrema dificuldade técnica. Esse tipo de foto só é possível de realizar se o fotógrafo puder antecipar a ação. E foi o que aconteceu. Ao perceber que o urubu poderia voltar ao poleiro, rapidamente compus a cena, ajustei o foco no galho e esperei a sorte trazer o bicho para dentro do quadro. E ele veio, majestosamente planando quase em câmera lenta. Como tudo já estava preparado, pude acompanhar a cena e captar toda a sequência do pouso.



Apresentando o livro "SERRA DA CANASTRA: Refúgio das Aves do Cerrado" ao amigo Zé Maria.
O gesto de altruísmo do amigo Zé Maria me deu de presente uma das melhores fotografias que tive o prazer de realizar e que estampa a capa do meu livro "SERRA DA CANASTRA: Refúgio das Aves do Cerrado". Hoje tive a alegria de retribuir o presente com um exemplar do livro, num momento em que celebramos o companheirismo, o amor e o respeito pelas aves e pela maravilhosa natureza da Serra da Canastra.

Obrigado, Zé!

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P.S: Aos amigos de São Roque de Minas, meu livro pode ser encontrado no Hotel Chapadão da Canastra - da amiga Renilda, Tamanduá Ecoturismo e Baú de Lendas. Ou diretamente pelo site: www.alessandroabdala.com/livroserradacanastra.