Acabo de reler o clássico "São Bernardo", do incomparável Graciliano Ramos. Acompanhar a desdita do protagonista, Paulo Honório, fez-me lembrar outro personagem igualmente trágico, Michael Corleone. À primeira vista, pode parecer estranho comparar o chefão da máfia ítalo-americana de "O Poderoso Chefão", com o fazendeiro bruto do sertão nordestino. Mas ambos são, cada um à sua maneira, homens forjados por sistemas que premiam a frieza, o domínio e o silêncio. Ao fim de uma vida marcada por conquistas externas, encontram-se no mesmo lugar, o do arrependimento tardio. Eles têm tudo — dinheiro, respeito, poder — mas perdem justamente aquilo que realmente importa.
Michael Corleone, personagem central da trilogia "O Poderoso Chefão", saga escrita por Mario Puzzo e adaptada para para as telas por Francis Ford Coppola; e Paulo Honório, protagonista de São Bernardo, de Graciliano Ramos, pertencem a contextos distintos — um no universo da máfia ítalo-americana do século XX, o outro no sertão brasileiro do início da República — mas compartilham um mesmo arquétipo: o do homem que ascende ao poder através do controle implacável, da racionalidade fria e do sacrifício das emoções.
Ambos iniciam suas jornadas como figuras distantes do poder que virão a exercer. Michael, filho mais novo de Don Vito Corleone, inicialmente tenta fugir do legado criminoso da família. Paulo Honório, por sua vez, é um homem pobre, de origem humilde, que constrói seu império agrário por meio de esforço, astúcia e métodos nem sempre lícitos. Mas em ambos os casos, o destino os conduz — ou empurra — à liderança solitária de mundos que eles mesmos moldaram.
Michael Corleone, interpretado por Al Pacino.
A trajetória dos dois é marcada por uma transformação interior profunda. Michael, aos poucos, abandona os ideais de justiça e honra para se tornar um estrategista calculista, disposto a eliminar qualquer um que ameace a ordem que construiu. Paulo Honório também se embrutece ao longo do tempo, tornando-se incapaz de compreender os sentimentos dos que o cercam, especialmente de sua esposa, Madalena, cuja morte sela a sua ruína emocional.
Ambos constroem impérios — Michael, o da máfia; Paulo, o da terra — mas perdem, ao final, o que os tornava humanos. Michael termina sua vida isolado, arrependido e vencido pelo peso de suas escolhas. Paulo Honório, escreve sua história em forma de confissão, em busca de entender o que fez de errado, aprisionado por uma solidão que ele mesmo cavou com mãos de ferro.
Paulo Honório, vivido por Othon Bastos.
Se Michael Corleone é o príncipe moderno de Maquiavel, Paulo Honório é o coronel brasileiro por excelência. Ambos são herdeiros de sistemas patriarcais e autoritários, que exigem domínio absoluto sobre pessoas e destinos.
Em suas histórias, vemos o retrato de um tipo de poder que não se sustenta sem a perda: do amor, da inocência, da própria paz. Os dois personagens constroem impérios, mas não conseguem edificar uma vida plena ao lado de alguém.
E quando olham pra trás, percebem que foram mais duros do que precisavam — e mais sozinhos do que gostariam.
"Minha vida poderia ter sido muito diferente." Michael Corleone. * "Eu era um homem sem sossego. Dormia mal, comia mal. Desconfiava de tudo e de todos." Paulo Honório.