Em 2007 completam-se trinta anos desde a morte de dois dos mais expressivos nomes femininos da literatura brasileira, Clarice Lispector (1920-1977) e Carolina Maria de Jesus (1914-1977).
Cada uma a seu modo, tornou-se voz contra as incoerências da sociedade brasileira e ambas contribuíram com seus escritos para a reflexão do papel da mulher ao longo do século XX.
Apesar de compartilharem a escrita como meio de expressão, suas trajetórias foram opostas.
Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, veio para o Brasil ainda bebê, estudou nas melhores escolas, casou-se com diplomata e viajou o mundo. Construiu sua carreira nas esferas literárias mais prestigiadas, com uma prosa rica, complexa e inovadora.
Carolina Maria de Jesus, nascida em Sacramento, Minas Gerais, neta de escravos e com pouca instrução formal, trilhou um caminho difícil, escrevendo sobre a dura realidade das favelas brasileiras, em folhas de papel encontradas no lixo.
O reconhecimento de Carolina ocorreu quase por acaso, em 1958, quando o jornalista Audálio Dantas encontrou seus escritos na favela do Canindé, em São Paulo. Publicado em 1960, “Quarto de Despejo” se tornou um marco, vendendo rapidamente e sendo traduzido em dezenas de idiomas, com impacto internacional. Sua narrativa simples e direta capturou as mazelas da pobreza, despertando atenção ao redor do mundo, ainda que sua obra fosse resistida pela elite intelectual brasileira.
Na noite de autógrafos, foram vendidos 600 exemplares, no fim do ano as vendas somavam 100 mil cópias. “Quarto de Despejo” seria republicado em mais de 40 países. Sua projeção foi vertiginosa, e conforme explica José Carlos Sebe Bom Meihy, “Jamais outro livro publicado no Brasil com testemunhos de mulheres alcançou níveis equiparáveis ao de Carolina”. Segundo Meihy “Quarto de Despejo”, até 1998, teria “Um milhão de cópias vendidas em todo mundo, sendo inclusive, o texto brasileiro mais publicado de todos os tempos”.
Clarice, por sua vez, construiu uma carreira consolidada e foi amplamente reconhecida pela profundidade psicológica de seus personagens e pelo caráter existencial de suas narrativas. Obras como "A Paixão Segundo G.H." e "A Hora da Estrela", trouxeram questões universais sobre a solidão e os dilemas femininos.
Pela densidade de sua narrativa, e o profundo perfil psicológico de seus personagens, é comparada ao escritor judeu Kafka e junto com Guimarães Rosa, constitui um capítulo especial na história da Literatura Brasileira.
Mesmo sendo associada à elite cultural, ela também desafiou o status quo, expondo o conservadorismo que limitava as mulheres brasileiras.
Carolina estudou até o segundo ano primário, as viagens que fez foi peregrinando pelo interior de Minas Gerais e São Paulo, em busca de emprego e melhores perspectivas de vida. Sua escrita é simples, no estilo mais básico e direto: o diário, por vezes contendo erros de gramática e ortografia, sem contudo, jamais perder a riqueza dos pensamentos bem elaborados.
Em ambas escritoras é latente o talento literário, a narrativa envolvente e a visão da escrita como algo predestinado, capaz de guiar suas próprias vidas. Essas duas mulheres se conectaram, no sentido mais profundo, pelo retrato do sofrimento humano, em especial da mulher.