Mas seu Chico gosta mesmo é de contar um bom causo e nessa arte ele se esmera, capricha nos detalhes, na entonação, e vai desfiando as histórias sem pressa, saboreando cada palavra, conferindo ao enredo uma atmosfera e autenticidade cativantes.
À mesa de sua cozinha sempre há espaço para uma boa conversa e depois de vários cafezinhos, acompanhados do autêntico e saborosíssimo Queijo Canastra, ele explica que a carranca é usada para afugentar as assombrações que vivem na água, o Minhocão, a Mãe-d´água e principalmente o Caboclo-d´água, criatura sobrenatural de aparência assustadora que seu Chico garante já ter visto ao vivo:
"Meu avô sempre ia pescar com meu tio nuns rios que tem aí pra cima. Meu tio sempre falava pra tomar cuidado com o Caboclo-d´água, uma mistura de homem e macaco que vira a canoa para atacar as pessoas. Meu avô não acreditava em nada disso. Mas um dia ele estava pescando, a canoa começou a bambear. De repente ele viu uma mão agarrada na borda, tirou o facão e num golpe, cortou. Era a mão do caboclo d´água! Ela era preta, com unhas grandes e umas coisas assim entre os dedos, que nem pato. Meu avô guardou essa mão até as vésperas de sua morte, quando um amigo pediu emprestada e depois sumiu, não devolveu mais (...) A carranca serve pra isso, espantar o Caboclo-d´água que vê aquela cara mais feia que ele, fica com medo e vai embora".
A figura de seu Chico Chagas bem representa a alma de um povo secularmente estabelecido na Canastra, lugar onde se vive sem pressa, se valoriza a simplicidade e um bom bate-papo. Ouvindo seus causos nos transportamos no tempo, rimos e nos emocionamos com os personagens e histórias só possíveis de existir entre as insondáveis montanhas da Serra da Canastra.
*Texto originalmente publicado na Revista Destaque In, n. 84 - março de 20010.