icente de Araújo Lima
Ou Vicente Hermógenes, como é conhecido, tornou-se uma figura folclorica e símbolo desemboquense. "Seu" Vicente representa a resistência ao processo avassalador do desmonte da cultura popular revelada na narração de causos, expressões regionais, lendas, cantigas, trovas populares e brincadeiras folclóricas. Todas essas manifestações culturais são temperadas com bom humor, camaradagem e com uma dose expressiva de criatividade. Para nós, mortais e produtos de uma geração assoberbada na pressa contemporânea, tivemos de reaprender a ouvir os causos para entender a sutileza do enredo que faz sorrir ou emocionar. Que faz dimensionar o ridículo na explosão do riso espontâneo ou reter as lágrimas na emoção da tragédia existente nos acontecimentos triviais ressaltados na narrativa parcimoniosa e verídica de “Seu Vicente”.
Tentamos escrever suas histórias, saíram desenxabidas e monótonas. Não refletem o seu jeito único de relatar sonhos, fantasias e verdades. Insossas, sequer são arremedos da cultura desenvolvida pela tradição oral, legado dos moradores do Desemboque à Vicente Hermógenes, pessoas que sentavam no banco de madeira, no tempo em que se tinha tempo.
Para os superficiais suas histórias nada revelam, necessário se faz buscar elementos, utilizar os dois ouvidos, poupar a voz, descobrir a magia dos contadores de historias, seres em completa extinção. Algo semelhante ao Desemboque em relação aos seus rebentos a oeste, a civilização triangulina esqueceu o Desemboque, sua historia, sua gente... Marqueteiros sufocam os meios de comunicação e substituem valores no processo de aculturamento.
As histórias de Vicente Hermógenes revelam sabedoria e acordam a cultura que agoniza nos sobreviventes dos contadores de histórias. Tiramos a limpo duas de suas histórias inusitadas no cabedal fantástico de aventuras imortalizadas na tradição oral que faz de "Seu Vicente" uma figura mística em extinção.
História nº 1:
“Sou descendente do Cônego Hermógenes.
-Padre não casa, como pode ser?
O tom das palavras ganha reverência, Seu Vicente Hermógenes responde, quase solene, para não dar margem de desrespeito à figura do antepassado ilustre:
- O Cônego era “possuidor” de duas mulheres, uma paulista morena e outra mineira, clara, aqui do Desemboque, eu sou descendente da mulher clara, completa.
História nº 2:
“Também em relação ao Cônego Hermógenes:
O Cônego não quis ser enterrado dentro da igreja como era “direito”dos padres e dos benfeitores da paróquia. Por ele se reconhecer pecador, o Cônego fez a devoção de ser enterrado bem na entrada da porta principal da Igreja de Nossa Senhora do Desterro em Desemboque.
- O Cônego Hermógenes queria que as pessoas pisassem no seu túmulo para entrar na igreja, como “penitência” por ter sido “possuidor de duas mulheres”, vontade testamentária.
Um pouco de Genealogia
O Cônego Hermógenes Cassimiro de Araújo Bruonswik foi vigário do Desemboque por quase meio século. Era Provisor de Capelas, dentre as quais originaram as cidades de Sacramento e Uberaba, surgidas no início do séuculo XIX quando o antigo Sertão da Farinha Podre era ainda um vazio demográfico pela então recente perseguição aos índios caiapós que sucumbiram à implacável intrepidez de Antonio Pires de Campos, e Bartolomeu Bueno do Prado, perseguidores de bugres e quilombolas.
Cônego Hermógenes chegou ao Desemboque com seus pais, Capitão Manoel Ferreira de Araújo e Souza e Joaquina Rosa de Sant'ana e irmãos vindos de Conceição do Mato Dentro no período de grande migração no interior do estado de Minas Gerais, por volta de 1805.
Ordenado Padre na cidade de São Paulo em 1810. De 1814 até a data de sua morte em 26 de setembro de 1861, foi vigário do Desemboque, tornando-se o vulto mais importante do Sertão da Farinha Podre, atual Triângulo Minério, área correspondente ao antigo Julgado Goiano (até 1816) de Desemboque.
Cônego Hermógenes ocupou praticamente todos os cargos de relevância na condição de Brasil- Colônia (até 1822) e Império, como membro do Partido Conservador, Comendador da Capela Imperial, Vigário e Deputado Provincial. Não é por acaso que o nome Hermógenes tornou-se sobrenome e popularizou-se na descendência Desemboquense tornando-se sinônimo de importância e orgulho familiar.
Em seus escritos sobre genealogia mineira, Hildebrando Pontes diz textualmente: “Hermógenes Cassimiro de Araújo Bruonwik deixou dez filhos naturais, havidos, o primeiro, quando ainda estudante em São Paulo, com uma jovem natural desta então Província, e cujo nome ignoro; os oito imediatos havidos com Ludovina Clara dos Santos, natural de Paracatu (MG), falecida no arraial do Santíssimo Sacramento aos 10 de dezembro de 1830, o último havido com Tereza Luiza das Neves...” (2)
Na sequencia, a descrição resumida de sua prole:
1- Inês Florinda da Silva e Oliveira, natural de São Paulo, nascida anteriormente a 1810 casada em primeiras núpcias com o Cap. José Manoel da Silva e Oliveira (Cap. Guarita), com geração descrita no original. Em segunda núpcias com Joaquim de Freitas Silveira (com geração).
2- Maria Justina Cassimira de Araújo Lima (Miquita), nascida em Desemboque onde faleceu, casada com o Paulista Francisco Lima, teve:
2.1- Major Cristino Adolfo de Araújo Lima.
2.2- Cap. Hermógenes Herculano de Araújo Lima, casado com Maria José da Silveira.
2.3- Francisco, falecido em pequeno.
2.4- Ricarda de Araújo Melo, casada (teve geração).
2.5- Capitão Galdino Justiniano de Araújo Lima, casado (teve geração).
3- Com. Antonio Eloy Cassimiro de Araújo - Barão da Ponte Alta - casado duas vezes, teve geração em ambos os casamentos.
4- Maria Delfina Cassimira de Araújo Santos, casada (sem geração)
5- Maria Cância Cassimira de Araújo, casada em primeiras núpcias com José Vieira Pontes e em segundas núpcias com Francisco de Oliveira França (não teve geração).
6- Carlos Cassimiro de Araújo, falecido solteiro.
7- José Maria Cassimiro de Araújo (Deca) casado com Maria Madalena Araújo (teve geração).
8- Maria Cassimira de Araújo Sampaio, casada com Antonio Borges Sampaio (teve geração).
9- Maria Filisbina de Araújo, casada com Manoel José da Silveira Araújo (teve geração).
10- Major Carlos Maria Cassimiro de araújo (Nhônhô) casado com Ana Rosa de Oliveira França (teve geração).
11- Major Aureliano Cesário de Araújo (Lério) casado com Ludovina Clara de Araújo (teve geração).
Do casamento de Hermógenes Herculano de Araújo Lima (2.2), com Maria José da Silveira nasceram os seguintes filhos:
1- Joana Nepumoceno de Araújo Lima, casada.
2- Capitão Francisco Antonio de Araújo Lima (Chiquinho Hermógenes) casado com Mariana Lucinda de Lima (teve geração) (3)
3- José Antonio de Araújo Lima, casado com Celestina de Melo (geração a seguir).
4- Rita de Cássia de Araújo Lima, casada com Rufino Ribeiro de Faria.
5- Avelino de Araújo Lima, falecido solteiro.
Do casamento ocorrido em 24 de abril de 1897, entre José Antonio de Araújo Lima e Rosalina Celestina de Melo, nasceram 14 filhos, dentre eles Vicente de Araújo Lima, ou Vicente Hermógenes. São eles: Zulmira, Adelina, Militino, Necécio, Militina, Demétrio, Euclides, Sosigenes, Alber, Vicente, José, Anair, Alexandre, Sebastiana.
Comprovação da primeira história: Hermógenes que gerou Maria que gerou Hermógenes Herculano que gerou José que gerou Vicente.
A confirmação da segunda estória está no testamento do Cônego Hermógenes (1) que expressa sua vontade da seguinte forma: “Falecendo eu da vida presente nesta freguesia, meu corpo será sepultado no adro, junto a porta principal da Matrix, envolto no hábito de São Pedro, paramentado com as vestes sacerdotais na forma do costume”
Vicente Hermógenes, depositário de uma dimensão abandonada e agonizante do Desemboque, pela sua vivencia, simplicidade e autenticidade representa a última cidadela das genuínas tradições incorporadas no patrimônio vivo, caminho do Desemboque e manancial de cultura.